Havana é um deleite para aqueles que romantizam a idéia de uma cidade que parece ter parado no tempo. O tecido urbano da capital cubana ostenta orgulhosamente as marcas de sua história, desde a sua fundação pelos espanhóis, a influência da arquitetura mourisca e posteriormente, soviética. Mas além deste imaginário kitsch que permeia este pequeno país insular no meio do Caribe, caracterizado por uma arquitetura colorida e veículos majoritariamente dos anos 50, o que fica evidente quando se visita Cuba por primeira vez, é a privação que o país experimentou ao longo de sua história.
Enquanto outras nações que iniciaram a segunda metade do século XX sob um regime comunista tiveram a chance de optar pelo liberalismo econômico, Cuba talvez seja o último dos redutos onde um passado — já tão remoto — permanece resistindo à influência do capitalismo ocidental. Mas não por muito tempo. O skyline de Havana, que durante séculos permaneceu praticamente intacto, está sob ameaça, um prenúncio que se materializa na forma de guindastes, denunciando que novos personagens começaram a invadir este cenário bucólico: os empreendimentos de luxo do século XXI finalmente chegaram à Cuba.
Como resultado disso, novas oportunidades econômicas estão começando a aparecer, atraindo investidores do mundo todo. Enquanto Cuba se afasta incessantemente de suas ideologias revolucionárias, abrindo caminho para o inexorável avanço do capital, a própria nação insular se torna a única responsável pela salvaguarda e preservação de seu passado e sua história. Cuba apoia-se hoje em uma economia sustentada por um turismo em constante expansão, um lugar que muitas pessoas querem visitar “antes que perca para sempre.” Uma atitude que minimiza a necessidade do povo cubano por mudanças urgentes que, quer queira quer não, vêm chegando à Havana a galope. Seja qual for o disfarce que o progresso esteja vestindo, é imperativo estabelecer artifícios que permitam preservar o passado desta cidade, ao mesmo tempo que, possa dar passo ao futuro. É necessário estabelecer as regras do jogo antes que os investidores coloquem as mãos em um patrimônio já muito ameaçado.
Até recentemente, a maioria dos arquitetos cubanos se dedicavam apenas à projetos de restauro de pequenas casas e edifícios comerciais em Havana, onde estima-se que mais de dois terços dos edifícios estejam em estado avançado de deterioração. É neste contexto já bastante ameaçador que empreiteiras e investidores estão estabelecendo as suas empresas de (des)construção, algo que nos faz lembrar do momento em que os Estados Unidos fizeram de Cuba uma espécie de parque de diversões, forçando o país insular a trocar seu direito por desenvolvimento por um punhado de dólares, com a mera finalidade de sustentar um subversivo turismo de luxo. Enquanto a maioria dos arquitetos cubanos temem o que pode vir a acontecer quando o capital norte americano desembarcar com suas malas no porto de Havana, alguns poucos não escondem seu otimismo, acreditando que orgulho nacional os salvará da ambição econômica gananciosa. A maior esperança é que a consideração e afeto por sua história também os salve de uma renovação urbana potencialmente desastrosa.
By the end of 2019, there were seven upscale hotels under construction in Havana, and a handful more that had just opened. The most recent business portfolio for foreign investment proposed plots currently occupied by buildings and public spaces to be razed or renovated for what the Ministry of Tourism calls “a different destination” in an attempt to increase the nearly three million visitors it brings in annually. Construction is now noticeable both in the OId Havana city center and the more modern areas of Miramar and El Vedado.
Até o final do ano passado, sete hotéis de luxo estavam em construção na cidade de Havana – com alguns outros recém inaugurados. O principal foco destes empreendimentos são lotes urbanos atualmente ocupados por edifícios em mal estado de conservação e espaços públicos subutilizados, os quais estão sendo convertidos em infra-estrutura de apoio ao turismo na tentativa de atrair um número muito maior que os meros três milhões de visitantes que desembarcam em Cuba anualmente. Esta frente de ação que busca dar um “novo destino” a estes edifícios e espaços públicos não se restringe ao centro da capital, chegando também a áreas mais modernas de Havana como Miramar e El Vedado.
Neste contexto os investidores vão encontrando seu caminho. Outros dois hotéis de luxo foram recentemente inaugurados em Cuba, o Paseo del Prado e o Gran Hotel Manzana Kempinski. Ambas estruturas se encaixam no que podemos chamar de vetor de desenvolvimento inverso, porque apesar da pequena contribuição que tais obras deixam para o país e seus habitantes, elas inevitavelmente provocarão o enriquecimento de apenas algumas poucas pessoas. Os arquitetos responsáveis pelo projeto do Hotel Paseo del Prado parecem sequer perceber o contexto onde esta estrutura encontra-se inserida, destoando dos seus edifícios vizinhos com um ar esnobe e audacioso. O Gran Hotel Manzana Kempinski, no entanto, parece um pouco mais comprometido com a preservação das pré-existências. O Manzana Kempinski é um projeto de restauração de um antigo hotel da capital cubana, o qual preferiu preservar a fachada do edifício existente para manter vivo o zeitgeist cubano.
É fato que o mercado do turismo internacional esteja impulsionando alguns esforços de preservação de algumas poucas estruturas históricas da capital. Mas é importante observarmos que nem todo edifício histórico pode ser convertido em um hotel ou boutique de luxo. Muito pelo contrário, a maioria destas arquiteturas precisam ser reformadas para acolher também moradias e servir ao comércio local, transformando-as em escolas ou projetos culturais e sociais que possam servir principalmente, a população cubana em geral. A transformação do centro histórico de Havana caminha a passos muito mais lentos do que a dos bairros mais turísticos. O edifício do Capitólio permanece escondido atrás de um mar de andaimes há quase uma década, os paralelepípedos característicos das ruas do centro da cidade são lentamente removidos à medida que as obras de infra-estrutura pública parecem não sair do lugar. Por outro lado, junto à rua no Parque Central, um antigo edifício de escritórios foi completamente transformado em um hotel cinco estrelas num piscar de olhos para acolher os milhares de visitantes que começam a se amontoar nas ruas centrais de Havana.
A esperança que o povo cubano conserva intacta é que as autoridades locais mantenham um posicionamento crítico ao avanço do capital. Em um país em rápido desenvolvimento urbano, impelido pelas forças do capital estrangeiro, somente será possível preservar seu passado e sua história se os mecanismos de planejamento urbano forem devidamente estabelecidos para preservar e potencializar um desenvolvimento urbano voltado à promoção da qualidade de vida e distribuição equitativa de serviços e infra-estruturas públicas ao mesmo tempo que limita e restringe os interesses de poucos que com isso, se importam menos ainda. Havana está no limiar de uma transformação brutal. Já é possível ver claramente que os investimentos na cidade dos cubanos não acompanha aqueles dedicados à esta outra Cuba. Enquanto alguns hotéis de luxo, um shopping center e alguns outros projetos de desenvolvimento urbano estão avançado à toque de caixa, a velha Havana parece resignar-se com um pouco de enlevo, entendendo que suas ruas permanecerão como são, que seus edifícios coloridos não cederão seu lugar, e ela continuará a ser o que era antes: uma cidade parada no tempo.